Anais: Geocronologia e evolução da paisagem

Contribuições para a evolução do relevo da Serra do Mar no Estado do Paraná-Brasil através da utilização do isótopo cosmogênico 10Be

AUTORES
Marent, B. (UFMG) ; Santos, L. (UFPR) ; Salgado, A. (UFMG) ; Paula, E. (UFPR) ; Barreto, H. (UFMA) ; Varajão, C. (UFOP) ; Braucher, R. (CNRS) ; Bourlès, D. (UNIVERSITÉ D AIX-MARSEILLE III)

RESUMO
O presente trabalho teve como objetivo a mensuração das taxas de desnudação em dez bacias hidrográficas (cinco em cada vertente) na Serra do Mar, no Estado do Paraná, através da utilização do isótopo cosmogênico 10Be. Os resultados demonstraram que a taxa de desnudação média nas bacias oceânicas (26,04 mm/kyr) é ~2,4 vezes maior que nas continentais (11,10 mm/kyr). Além disso, constataram a erosão diferencial com uma maior resistência dos granitos em relação aos migmatitos/gnaisses.

PALAVRAS CHAVES
Serra do Mar; isótopo cosmogênico 10Be; evolução do relevo

ABSTRACT
The objective of this research was measurement of denudation rates from ten watersheds (five on each slope) in the Serra do Mar, in the State of Paraná, using cosmogenic isotope 10Be. The results demonstrate that denudation rates in the oceanic watersheds (26.04 mm/kyr) is ~2.4 times more than on the continental (11.10 mm/kyr). Furthermore, found differential erosion with much more resistant of granites relative to migmatites/gneisses.

KEYWORDS
Serra do Mar; cosmogenic isotope 10Be; relief evolution

INTRODUÇÃO
A Serra do Mar localiza-se na porção leste do território brasileiro e se estende de Santa Catarina até o Estado do Rio e Janeiro, com cerca de 1.000 km de extensão (ALMEIDA; CARNEIRO, 1998). No Estado do Paraná, faz parte do Escudo Atlântico (Primeiro Planalto Paranaense, Serra do Mar e Planície Costeira). O compartimento do Primeiro Planalto é constituído de rochas cristalinas, tais como xistos metamórficos e gnaisses. A Serra do Mar é constituída basicamente por gnaisses, migmatitos e granitos, freqüentemente associados a rochas intrusivas relacionadas a ciclos metamórficos mais jovens. A planície costeira foi preenchida principalmente por sedimentos recentes, como areias e lamas, e secundariamente por cascalhos e argilas (MINEROPAR; UFPR, 2006). A Serra do Mar é uma escarpa que marca o registro do evento de separação da África e América do Sul e a formação do Oceano Atlântico Sul (MINEROPAR, 2001); (MINEROPAR; UFPR, 2006). Diversos autores, entre eles, Macedo (1989), Almeida e Carneiro (1998), Riccomini et al., 2004) e Zalán e Oliveira (2005) tem se dedicado ao estudo da evolução da margem leste brasileira. No entanto, nenhum deles procurou mensurar as taxas de desnudação de longo-termo da região. Os trabalhos acima apresentados, apesar de trazerem valiosas contribuições para a compreensão da evolução da Serra do Mar não se aprofundaram em como evoluem as bacias nesses escarpamento e a quais taxas desnudacionais. Neste contexto, por meio da utilização do isótopo cosmogênico 10Be, o presente trabalho procurou compreender os processos desnudacionais na Serra do Mar, no Estado do Paraná, na região do entorno da Baía de Antonina e trazer novas contribuições para a evolução do relevo.

MATERIAL E MÉTODOS
No presente trabalho, o método utilizado foi o isótopo cosmogênico 10Be. Traços deste isótopo se formam no interior dos minerais que compõem os sedimentos, rochas, veios de quartzo e solos. Esta formação ocorre graças a interação entre os raios cósmicos e os elementos 16O, 27Al, 28Si e 56Fe presentes nestes minerais (Siame et al., 2000). A intensidade desta formação varia em função da altitude, latitude, profundidade, sombreamento do relevo, densidade da rocha subjacente e tempo de exposição. Conhecendo-se as cinco primeiras variáveis e mensurando-se a concentração de 10Be no interior do mineral é possível calcular a intensidade de exposição dos materiais expostos à radiação cósmica e a taxa de erosão ou desnudação de até 1,36Ma (Lal, 1991; Brown et al. 1995; Dunai, 2010). A amostragem foi realizada em sedimentos fluviais (fração areia) no escarpamento da Serra do Mar, na região na Baía de Antonina. Foram escolhidas dez bacias hidrográficas – cinco nas vertentes do interior continental e cinco nas oceânicas – sendo uma amostragem por bacia. Os critérios de escolha foram: (i) bacias de dimensão aproximada (Km2); (ii) representatividade geomorfológica das áreas amostradas e; (iii) baixa interferência antrópica, pois a mesma poderia alterar as taxas naturais de desnudação. Também foram amostradas bacias tendo como substrato os granitos e sobre granitos e migmatitos. Estes sedimentos foram purificados no laboratório de Geomorfologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no qual foram eliminados todos os minerais diferentes do quartzo. Posteriormente, o quartzo purificado foi encaminhado ao Laboratório do Centre Européen de Recherche et d’Enseignement des Géosciences de l’Environnement (CEREGE) na França. Neste laboratório, o 10Be foi mensurado por acelerador espectrômico de massas (Tandétron AMS Facility, Gif-sur-Yvette/França) através do qual foi possível calcular as taxas médias de desnudação de cada bacia hidrográfica.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A comparação entre ambos os lados da Serra do Mar demonstra que a taxa de desnudação média nas bacias do lado oceânico da escarpa (O1, O2, O3, O4 e O5) - 26,04 mm/kyr - é ~2,4 vezes superior à taxa média desnudação nas bacias do lado continental (C1, C2, C3, C4 e C5) - 11,10 mm/kyr (Figura 1). Estas taxas médias significativamente diferentes indicam que a Serra do Mar está retraindo em direção ao continente. Estes dados são compatíveis com as taxas de Gilchrist e Summerfield (1994), Bierman e Caffee (2001), Heimsath et al. (2006) e Vanacker et al. (2007) que também encontraram taxas superiores no escarpamento oceânico, trabalhando no oeste da África do Sul, sudoeste da África, sudeste da Austrália e na margem passiva do oeste do Sri Lanka, respectivamente. A porção do relevo que drena em direção ao interior continental pode ser dividida em dois grupos de bacias: (i) bacias que se encontram sobre os granitos e (ii) bacias que se encontram sobre granitos e migmatitos/gnaisses (Figura 1). O primeiro grupo (C1 e C2) é o que apresenta as taxas de desnudação média mais baixas (8,2 mm/Kyr). Neste, os granitos ocupam 100% de área das bacias. O segundo grupo (C3, C4 e C5) é o que apresenta as taxas de desnudação média mais elevadas (13,03 mm/Kyr). Neste, a presença dos migmatitos/gnaisses é o que indica o condicionamento das elevadas taxas desnudacionais. As taxas de desnudação indicam que Primeiro Planalto está sendo desnudando a uma velocidade superior a escarpa continental da Serra. Considerando que as bacias da escarpa continental são mais íngremes que as do Primeiro Planalto e experimentam menores condições de armazenamento de sedimentos em virtude da maior declividade este resultado não é esperado (Figura 2). Tal fato pode ser explicado pela erosão diferencial decorrente da drenagem que se encontra sobre os granitos nas bacias da escarpa. Neste aspecto, Almeida e Carneiro (1998) já haviam relatado a maior resistência destes granitos frente à erosão sustentando destacadas elevações. Segundo MINEROPAR (2002) estes granitos caracterizam-se pela natureza alcalina, textura equigranular e isotropia, em contraste com a pronunciada foliação dos gnaisses e migmatitos. Palumbo et al. (2009), trabalhando com o 10Be na margem NE do Tibete, também constatou que mesmo em áreas tectonicamente ativas a resistência do substrato pode influenciar a intensidade taxa de desnudação, apagando a relação com a declividade e a amplitude do relevo. Nas bacias que se encontram do lado oceânico da Serra do Mar a desnudação diferencial não pôde ser mensurada, uma vez que não foram amostrados pontos nem nos gnaisses e nem nos migmatitos ocupando porções da Serra. No entanto, é possível inferir que a mesma relação que existe entre os granitos e migmatitos/gnaisses na porção voltada para o continente ocorre na voltada para o oceano. Nesta porção do relevo migmatitos e gnaisses se apresentam mais rebaixados topograficamente em relação aos granitos, a semelhança do que acontece no lado voltado para o interior continental.

Figura 1

mapa geológico simplificado.

Figura 2

Modelo de elevação digital 3D.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao final deste trabalho foi possível identificar acerca da evolução do relevo da Serra do Mar, no Estado no Paraná, que: i) A Serra do Mar está retraindo em direção ao interior continental. Esta retração é ~2,4 maior nas bacias oceânicas em relação as bacias continentais. Este resultado é compatível com os encontrados em outras margens passivas maduras de grande elevação; ii) Os dados evidenciam a existência da erosão diferencial entre os granitos e migmatitos/gnaisses. Os granitos, ocupando destacadas elevações, apresentam uma resistência muito maior frente aos migmatitos/gnaisses.

AGRADECIMENTOS
Agradecemos a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) que concedeu a bolsa de estudo permitindo que esta pesquisa fosse realizada, ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo apoio financeiro e a Marcio Grochocki pela ajuda e apoio no trabalho de campo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
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