Anais: Geocronologia e evolução da paisagem

SIMULAÇÃO NUMÉRICA DA INFLUÊNCIA DA LITOLOGIA NO RECUO DIFERENCIAL DA ESCARPA DA SERRA DA MANTIQUEIRA EM RESENDE E ITATIAIA (RJ)

AUTORES
Souza, L. (DEPTO. GEOLOGIA/UFRJ) ; Carbono, A. (DEPTO. ENG. CIVIL/PUC-RIO) ; Martha, L.F. (DEPTO. ENG. CIVIL/PUC-RIO) ; Mello, C. (DEPTO. GEOLOGIA/UFRJ) ; Fernandes, N. (DEPTO. GEOGRAFIA/UFRJ)

RESUMO
Embora a resistência das rochas seja um fator fundamental na definição das taxas de erosão, pouco se sabe sobre o papel da litologia na erosão diferencial em grandes escarpamentos. Este estudo aplica modelos matemáticos de evolução do relevo na estimativa do recuo diferencial da escarpa da Mantiqueira próximo à intrusão alcalina de Itatiaia. Os resultados obtidos sugerem que as diferenças litológicas existentes representam o principal fator no controle das taxas diferenciais de recuo observadas

PALAVRAS CHAVES
erosão diferencial; recuo de escarpa; modelos matemáticos

ABSTRACT
Although rock resistance is a major factor controlling erosion rates in a certain landscape, little is known about the role played by lithology in defining differential erosion rates in great escarpments. Here we apply a mathematical model of landscape evolution in order to estimate differential retreat rates along the Mantiqueira escarpment close to the alkaline intrusion in Itatiaia (RJ). The results suggest that the lithological difference is the main factor controlling the different retreat

KEYWORDS
differential erosion; escarpment retreat; mathematical modeling

INTRODUÇÃO
A Serra da Mantiqueira tem sua origem associada a processos de rifteamento realizados no Cenozóico em consequência a eventos tectônicos iniciados no Mesozóico e que levaram a fragmentação do supercontinente Gondwana e à abertura do Atlântico Sul. A estes eventos estiveram associadas manifestações magmáticas alcalinas em um período que antecedeu o desenvolvimento das bacias tafrogênicos terciárias de São Paulo, Taubaté, Resende e Volta Redonda no sudeste brasileiro. O magmatismo alcalino se manifestou em cerca de trinta corpos intrusivos isolados, dentre os quais se destacam os Maciços Alcalinos do Itatiaia e Passa Quatro, ambos na Serra da Mantiqueira. Estes corpos exercem um importante controle litológico no relevo, sustentando planaltos e escarpas e destacando-se em relação as mais altas elevações das serras que os circundam. Diversos são os modelos de caráter conceitual que tratam da origem e evolução da Serra da Mantiqueira ora sob uma perspectiva de colapso gravitacional regional (Almeida, 1976) ora considerando o efeito de compensação isostática (Asmus & Ferrari, 1978). Trabalhos como o de Almeida (1983) mostram a relação entre as intrusões alcalinas com os eventos tectônicos mesozóicos e cenozóicos que originaram as bacias marginais e as bacias tafrogênicas, respectivamente; enquanto outras pesquisas fazem considerações acerca da importância das rochas intrusivas alcalinas na estruturação e morfologia das serras que integram (Almeida & Carneiro, 1998). Nas últimas décadas, diversos modelos matemáticos de simulação da evolução do relevo ao longo do tempo geológico foram desenvolvidos (por ex., Willgoose et al., 1991; Coulthard et al., 1997; Braun e Sambridge. 1997; Tucker e Slingerland, 1994). O presente trabalho tem como objetivo testar a aplicação de modelos matemáticos na simulação do recuo diferencial da escarpa da Serra da Mantiqueira próximo ao Maciço Alcalino do Itatiaia.

MATERIAL E MÉTODOS
Neste estudo foi utilizado o simulador numérico desenvolvido por Carvalho (2002), e implementado por Carbono (2010) para realizar simulações em escalas espaço-temporais mais amplas, com o objetivo de criar modelos de evolução do relevo. Para isso, o foco da modelagem deve ser a evolução da rede de drenagem, a qual depende da ação conjunta de processos superficiais, como intemperismo, erosão e deposição, e tectônicos (Carbono, 2010). Ao final da simulação, o modelo desenvolve uma série de cálculos, de onde é possível estimar a taxa de denudação resultante de todo o processo erosivo. Para o começo da simulação é necessário definir uma superfície inicial que represente o relevo. Esta superfície é representada por um modelo digital de terreno (MDT) com a resolução escolhida para cada célula, ∆X e ∆Y, de 0,5 km x 0,5 km em um grid de 30 km x 35 km. A seguir, foi feita no grid a delimitação de um plano de falha, simulando a borda norte da bacia de Resende, e de uma área representativa do maciço alcalino de Itatiaia. Para a simulação, foi utilizado o melhor cenário evolutivo obtido pelas simulações realizadas por Moreira (2008) em área próxima - nível de base regional em 400 metros de altitude e a formação de um planalto com 1.400 metros de altitude, após o falhamento que deu origem à borda norte da bacia de Resende. Os valores utilizados na calibração do modelo foram baseados nos melhores resultados obtidos pelas simulações de trabalhos feitos por Kooi & Beaumont (1994), Moreira (2008) e Carbono (2010), sendo necessário, entretanto, sua adaptação ao simulador aqui utilizado e à variação litológica considerada. Com relação ao parâmetro que defini a erodibilidade dos materiais, foi adotado para o Maciço de Itatiaia um valor que representasse a maior resistência litológica desse material, quando comparado com as outras rochas da área. Mais detalhes sobre os valores utilizados para parâmetros podem ser obtidos em Souza (2012).

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A Figura 1 mostra os resultados obtidos, em termos de variação da topografia ao longo do tempo, para um cenário de simulação ao longo de cerca de 50 Ma, a partir da condição inicial definida e dos valores dos parâmetros utilizados. A primeira cena (A) mostra a formação de um planalto, após ter decorrido 1 Ma do início do processo, com aproximadamente 1.000 metros de elevação em relação ao nível de base local, este com 400 metros de altitude. Neste momento, já é possível observar a ação de processos erosivos atuantes na borda de falha, porém ainda não se consegue visualizar a forma do corpo intrusivo. Até os 10 Ma a partir do início do processo (Cena B), a área esteve em soerguimento contínuo, com taxa de 87 m/Ma, chegando ao final deste período a uma elevação de aproximada de 2.100 metros, ao longo da toda a extensão do planalto; já é possível notar maior incisão da frente da escarpa e a maior resistência apresentada pelo Maciço do Itatiaia em relação às demais litologias. Um soerguimento contínuo, à taxa de 26,5 m/Ma, se seguiu a esta fase, atuando por mais 10 Ma. Ao final desta (Cena C), é possível observar no relevo o destaque tomado pela intrusão, que chegou a atingir 2.300 metros de altitude e começou a apresentar uma forma dômica; já a área ao redor sofreu mais incisão, maior recuo, e começou a rebaixar, mantendo-se em torno de 2.000 metros. A última fase de soerguimento contínuo simulada foi iniciada há aproximadamente 20 Ma decorridos do início do processo e durou mais 10 Ma, com uma taxa de 0,7 m/Ma. Como resultado da pequena taxa de soerguimento sofrido e da continuidade da atuação dos processos erosivos, pode-se notar, ao final deste período (Cena), o intenso desgaste sofrido na área: a forma dômica do Maciço ficou ainda mais pronunciada, sendo mantida, porém, sua altitude (~ 2.300 metros); mas a área ao redor, menos resistente, foi intensamente erodida e foi rebaixada para altitudes em torno de 1.400 metros. Os últimos 20 Ma que se seguiram, até a situação atual, foram simulados somente com a atuação de processos superficiais, sem soerguimento associado e os resultados são mostrados na Figura 2 (Cenas E e F). Ao final de 40 Ma de anos decorridos do início do processo (Cena E), nota-se um aumento da incisão nas laterais do Maciço, sem ocorrer, entretanto, rebaixamento do mesmo. Na área ao redor, há continuidade do processo erosivo, levando ao rebaixamento para altitudes em torno de 1.300 metros. Na situação atual, após 50 Ma do início da simulação, a área ao redor do Maciço encontra-se bastante recuada em relação a este, e a altitudes próximas a 1.200 – 1.250 metros. O Maciço, com forma dômica muito pronunciada, encontra-se pouco recuado em relação à borda de falha e pouco rebaixado, com altitudes próximas a 2.300 metros. Após a simulação da última cena, foram obtidos os valores do recuo máximo e do recuo mínimo para a borda de falha escarpada: 10 km para os gnaisses do embasamento e 3 km para as rochas alcalinas. Esses valores resultam em taxas médias de recuo da escarpa, ao longo de 50 Ma, de cerca de 0,2 km.Ma-1 (gnaisses) e 0.06 km.Ma-1 (alcalinas). As simulações realizadas para este cenário resultaram na estimativa de uma taxa média de denudação de cerca de 26 m.Ma-1 para a área de estudo. Para validação e comparação do cenário criado com a situação atual da área de estudo, foi utilizado um modelo digital de elevação (MDE) do projeto Shuttle Radar Topography Mission (SRTM), com resolução de 90 x 90 m. A comparação mostrou que a morfologia da escarpa simulada se assemelha bem à escarpa real, com a forma dômica do Maciço do Itatiaia se destacando em relação à área ao redor. As maiores elevações da área ao redor do Maciço, vistas no modelo do SRTM, devem-se a existência de intrusões graníticas ao longo da Serra da Mantiqueira, as quais não foram representadas no cenário criado no presente trabalho.

Figura 1

Simulação numérica da evolução do relevo de 50 até 20 Ma.

Figura 2

Simulação numérica da evolução do relevo nos últimos 20 Ma.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados das simulações aqui realizadas sugerem que a diferença litológica presente na área de estudo é o principal fator condicionante do recuo diferencial e da forma geral desenvolvida pela borda escarpada do rifte ao longo do tempo geológico. O valor da erodibilidade utilizado para as rochas do Maciço do Itatiaia parece ter sido subestimado, enquanto aquele utilizado para as litologias do embasamento parece refletir bem a realidade da área. Quanto às taxas de soerguimento e as demais condições simuladas, os valores parecem ter sido bem representados, uma vez que as elevações simuladas para o Maciço do Itatiaia (cerca de 2500 m) foram muito próximas da elevação média real (2200 m). As rochas do entorno alcançaram altitudes de aproximadamente 1.300 metros, o que coincide com os valores reais. Os resultados aqui apresentados atestam o elevado potencial de aplicação desses modelos de evolução do relevo nos estudos de reconstituição da evolução geológica e geomorfológica.

AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem ao CNPq e à FAPERJ pelo apoio financeiro recebido, O apoio do Grupo de Tecnologia em Computação Gráfica (TecGraf) da PUC-Rio foi fundamental para a realização deste trabalho.

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