Anais: Geocronologia e evolução da paisagem

APLICAÇÃO DE MODELO MATEMÁTICO DE EVOLUÇÃO DO RELEVO NA SIMULAÇÃO DO RECUO DA ESCARPA DE PORÇÃO DA SERRA DA MANTIQUEIRA, RESENDE/ITATIAIA (RJ)

AUTORES
Moreira, I. (UFRJ) ; Mello, C. (DEPTO. GEOLOGIA/UFRJ) ; Fernandes, N. (DEPTO. GEOGRAFIA/UFRJ)

RESUMO
Uma das questões centrais em estudos de evolução do relevo refere-se aos mecanismos que controlam a geração e a manutenção de grandes escarpas de falha. Neste estudo foi utilizado um modelo matemático visando simular a evolução, ao longo de cerca de 60 Ma, de parte da escarpa da Mantiqueira junto à borda da bacia de Resende (RJ). A comparação entre as taxas medidas e estimadas para o recuo da escarpa atesta o grande potencial de uso desses modelos em estudos de evolução do relevo.

PALAVRAS CHAVES
recuo de escarpa; evolução do relevo; modelos matemáticos

ABSTRACT
A main question in studies related to landscape evolution is the definition of which processes control the initiation and evolution of fault scarps. Here we applied a numerical model to simulate the evolution, during about 60 Ma, of a portion of the Mantiqueira escarpment close to Resende basin border in Rio de Janeiro. The good comparison between measured and simulated rates of escarpment retreat attests the potential for using these models in long-term landscape evolution studies.

KEYWORDS
escarpment retreat; landscape evolution ; mathematical modeling

INTRODUÇÃO
Embora muitos avanços tenham sido alcançados ao longo das últimas décadas, tanto em termos teóricos quanto de ferramentas de análise, várias questões ainda persistem sobre os mecanismos que controlam a geração e a manutenção de grandes escarpamentos ao longo de dezenas de milhões de anos (por ex., Young e Wray, 2000; Matmon et al., 2002). Dentre essas novas ferramentas de análise destacam-se os LEMs (Landscape Evolution Models) que são modelos numéricos de simulação da evolução de relevo desenvolvidos para diversas aplicações geomorfológicas (por ex., SIBERIA – Willgoose et al., 1991; CAESAR – Coulthard et al., 1997; ZSCAPE – Densmore, 1998; CHILD – Tucker et al., 1999; CASCADE – Braun e Sambridge. 1997; GOLEM – Tucker e Slingerland, 1994). Estes modelos consistem de uma série de algoritmos que simulam a influência dos principais processos superficiais (por ex., erosão nas encostas, transporte fluvial, movimentos de massa), isostáticos e tectônicos na evolução do relevo (ver revisão dessas equações de transporte em Kirkby, 1971; Ahnert, 1987; Fernandes e Dietrich, 1996; Dietrich et al., 2003; Codilean et al., 2006, entre outros). Importantes resultados têm sido obtidos na aplicação do LEMs na simulação da evolução de grandes escarpamentos em borda de rifte, especialmente quando as taxas dos vários processos tectônicos e denudacionais são calibradas a partir de dados de campo (Gilchrist et al., 1994; Kooi e Beaumont, 1994; Tucker e Slingerland, 1994; van der Beek et al., 2002; entre outros). O principal objetivo deste trabalho foi avaliar a utilização do modelo GOLEM em simular a evolução e o recuo de parte da escarpa da Serra da Mantiqueira, junto à borda de falha da bacia de Resende (RJ), visando contribuir para a discussão dos principais modelos teóricos (geológicos e geomorfológicos) sobre a origem e a evolução dos escarpamentos do sudeste do Brasil, principalmente em termos de taxas de recuo.

MATERIAL E MÉTODOS
No corrente estudo foi aplicado o modelo GOLEM (Geomorphic/Orogenic Landscape Evolution Model) para simular a evolução da borda de falha da Bacia de Resende, numa porção do grande escarpamento da Mantiqueira, no segmento central do Rift Continental do Sudeste do Brasil. A área selecionada para as simulações foi definida por fazer parte da principal frente de escarpamento ao longo da bacia de Resende, a qual possui limites bem definidos e que sugerem um sistema fechado onde estão preservados registros sedimentares dos principais eventos ocorridos ao longo da evolução de sua borda escarpada. Esta área de estudo possui condições geológicas e geomorfológicas que permitem discutir os fundamentos do principais modelos teóricos existentes sobre sua origem e evolução dos grandes escarpamentos do sudeste, além do expressivo número de dados existentes de décadas de pesquisa realizadas por vários autores nesta região. Optou-se por trabalhar com uma matriz com dimensão maior do que a área selecionada para análise, possibilitando assim, eliminar possíveis efeitos de borda. Foram definidos diversos cenários para as simulações numéricas, buscando trabalhar com condições mais simples e aumentando o grau de complexidade em função dos modelos teóricos que se almejava discutir. Nesta etapa buscou-se integrar os dados disponíveis da área de estudo, os modelos teóricos existentes sobre a evolução geológica/geomorfológica e as datações de TFA e 40Ar/39Ar que permitiam sua correlação, além da utilização de coeficientes e parâmetros adotados em simulações em regiões com condições similares. Mais detalhes sobre os cenários tectônicos e climáticos usados, assim como dos parâmetros utilizados, podem ser obtidos em Moreira (2008). Por fim, as simulações foram “validadas” através da comparação com parâmetros da topografia atual (elevações, perfis longitudinais das drenagens principais) e com a posição atual da escarpa em relação ao falhamento original (taxa de recuo da escarpa).

RESULTADOS E DISCUSSÃO
De acordo com os resultados obtidos, as principais propriedades que influíram na evolução da borda norte da bacia de Resende foram as possíveis respostas flexurais isostáticas associados à época de maior estiramento crustal com magmatismo associado (48-40Ma), as variações climáticas e a composição litológica. Já quanto aos processos associados, foram principalmente relacionados à incisão fluvial sob rocha exposta. Dentre os cenários analisados, a simulação da origem desta borda escarpada a partir de um platô com cerca de 500-1000m de elevação há aproximadamente 55Ma obteve bons resultados quando confrontados com as condições topográficas e de perfis de canais fluviais simulados e medidos. Este cenário foi exposto a três pulsos de soerguimento ao longo dos primeiros 35Ma, seguido por um período de 20Ma de denudação sem soerguimentos associados (Figura 1). As taxas estimadas de recuo erosivo na corrente pesquisa, na sua maioria de aproximadamente 0.125 a 0.25km/Ma para o período Cenozóico, são bastante próximas das recentemente levantadas para algumas regiões dos grandes escarpamentos da costa sudeste australiana (van der Beek & Braun, 1998) e para o sudoeste africano (Cockburn et al., 2000).



Figura 1 - Descrição do cenário simulado na borda de rifte escarpada da bacia de Resende

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O modelo GOLEM foi capaz de simular valores de recuo (cerca de 6000 - 7000m), amplitudes de relevo (cerca de 1000 - 1500m) e morfologia de perfis topográficos próximos dos observados em campo. As taxas de recuo erosivo obtidas através das simulações realizadas foram da mesma ordem de grandeza daquelas obtidas algumas áreas dos escarpamentos do sudeste australiano e sudoeste africano. Embora os cenários simulados tenham sido definidos com uma estrutura mais simples, estes foram suficientes para discutir a evolução da borda de falha da bacia de Resende, pelo menos no que se refere aos reflexos de diferentes taxas de soerguimento do bloco alto na constituição da rede de drenagem, transporte e deposição de sedimentos e taxas de denudação e recuo da borda do bloco alto nesta região. As principais variáveis que influíram na evolução da borda norte da bacia de Resende segundo as simulações realizadas foram as respostas flexurais isostáticas, as variações climáticas e composição litológica.

AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem ao CNPq e a FAPERJ pelo apoio financeiro para a realização dessa pesquisa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
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