Anais: Geocronologia e evolução da paisagem

EQUILÍBRIO E DESEQUILÍBRIO ENTRE TAXAS DE PROCESSOS GEOMÓRFICOS EM LITOLOGIAS DE DIFERENTE RESISTÊNCIA, QUADRILÁTERO FERRÍFERO, MG, DERIVADAS DE MENSURAÇÕES DE RADIONUCLÍDEOS COSMOGÊNICOS (10Be e 26Al) PRODUZIDOS IN SITU

AUTORES
Lopes, M.R.S. (UFRJ) ; Binnie, S.A. (UCA-BERKELEY) ; Welten, K.C. (UCA-BERKELEY) ; Caffee, M.W. (PURDUE UNIVERSITY) ; Salgado, A.A.R. (UFMG) ; Fernandes, N.F. (UFRJ) ; Dietrich, W.E. (UCA-BERKELEY) ; Nishiizumi, K. (UCA-BERKELEY)

RESUMO
A hipótese do equilíbrio dinâmico foi testada através da mensuração de taxas de erosão em uma bacia de drenagem, cujos canais tributários cortam rochas de variada resistência. A diferença entre taxas médias de erosão dos canais tributários de cada litologia, a disparidade entre as taxas de erosão dos interflúvios e dos canais e os distintos valores da razão 26Al/10Be, mostraram que uns setores do sistema de drenagem encontram-se em fase ajuste transitório, enquanto que outros estão em balanço.

PALAVRAS CHAVES
equilíbrio dinâmico; taxas de erosão; nuclídeos cosmogênicos

ABSTRACT
Dynamic equilibrium hypothesis was tested by measuring erosion rates in a drainage basin, whose tributary channels cut rocks of varying resistance. The difference between mean erosion rates of tributary channels in each lithological group, the disparity between erosion rates of interfluves and channels, and the distinct values of the 26Al/10Be ratios have provided that some parts of the drainage system are in transient state, while others are in balance.

KEYWORDS
dynamic equilibrium; erosion rates; cosmogenic nuclides

INTRODUÇÃO
Dentro de um mesmo sistema erosivo e sob taxa de incisão fluvial constante, a geração de formas topográficas semelhantes, segundo os tipos de rocha, é o resultado da interação de autorregulação entre processos fluviais e de encosta e formas topográficas no tempo (Gilbert, 1880), pois, nesse caso, essa interação constitui um verdadeiro sistema processo-resposta, ligado por fortes mecanismos de retrolimentação negativa, que sempre tende ao estabelecimento da igualdade das forças dentro sistema (Ahnert, 1994). Essa tendência significa que no equilíbrio dinâmico rochas resistentes sejam erodidas à mesma taxa que as friáveis, mas com as primeiras sustentando elevados ângulos de encosta de modo a manter o balanço de energia (Hack, 1960). O sistema de drenagem rio da Prata, na extremidade E Quadrilátero Ferrífero, possui canais tributários sobre litologias de variada resistência compartilhando o mesmo canal tronco coletor, uma condição de contorno que é ideal para testar a hipótese de que esse sistema de drenagem encontra-se em equilíbrio dinâmico. Nesse caso, as taxas de erosão dentro sistema serão uniformes (Matmon et al., 2003) ou, caso contrário, o sistema encontrar-se-á em estágio de ajuste transitório a modificações nos forçantes climático ou tectônico (Norton et al., 2008). Esse trabalho objetivou determinar as taxas de erosão de bacias de drenagem tributárias sobre xistos, quartzitos e litologia mista (xisto-quartzito-filito-itabirito) pela mensuração dos radionuclídeos cosmogênicos produzidos in situ em grãos de quartzo de sedimentos fluviais, como forma de dar suporte empírico à hipótese levantada. Também foram mensuradas taxas de erosão em rochas dos inteflúvio como forma de comparar as taxas de erosão dos topos com as taxas dos canais de drenagem. O emprego da mensuração simultânea de dois radionuclídeos (10Be e 26Al) com diferentes taxas de decaimento teve como objetivo desvendar a história de exposição das bacias tributárias (Ivy-Ochs, S. & Kober, F., 2008).

MATERIAL E MÉTODOS
Foi selecionada a bacia do rio da Prata, localizada entre o anticlinório da parte central do QF, composto por rochas do SupGr. Rio das Velhas, e o sinclinal do Gandarela, formado por rochas do SupGr. Minas, no limite E do QF. No alto curso a bacia possui canais tributários que cortam quartzitos da Fm. Casa Forte, xistos do Gr. Nova Lima, e litologia mista, composta de xisto do Gr. Nova Lima, quartzito da Fm. Moeda, filito da Fm. Batatal e itabirito da Fm. Cauê. Ao longo do canal tronco coletor e nas drenagens tributárias foram coletadas amostras de sedimento de carga de fundo de leito com o objetivo de comparar a taxas de erosão em cada grupo litológico. Também foram coletadas duas amostras de rocha em topo de elevação; uma sobre quartzito e outra no interflúvio sobre xisto. Após trituração mecânica, as amostras de sedimento e de rocha foram tamisadas na fração 0,5-1,00 mm e limpas com solução de HCl 6N a 200oC. Em seguida, alíquotas de 50 g de cada amostra foram limpas através sucessivos banhos ultrassônicos com solução de HF-HNO3 1%, obtendo-se, então, amostras de quartzo puro (Kohl & Nishiizumi, 1992). As mensurações dos nuclídeos 26Al e 10Be das amostras de quartzo puro foram realizadas por diluição isotópica, com adição de 27Al e 9Be às amostras (Nishiizumi, 2004; Nishiizumi et al., 2007), de onde os íons de Al e Be foram extraídos por digestão total, e separados dos demais por técnicas de cromatografia iônica e de complexação por agentes quelantes orgânicos. Ao final os íons de Al e Be foram precipitados como hidróxidos e convertidos para óxidos (Al2O3 e BeO) por aquecimento. As razões isotópicas 26Al/27Al e 10Be/9Be nos respectivos óxidos foram mensuradas por espetrômetro de massa com aceleração de partículas do PrimeLab, Purdue University. As concentrações de 26Al e 10Be foram convertidas em taxas de erosão através do modelo físico Cronus Earth, versão 2.2 (Balco et al., 2008), usando o esquema de cálculo de produção de nuclídeos de Dunai (2001).

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os canais tributários sobre xistos mostraram taxas de erosão superiores (fator ≈ 3) e significativamente diferentes das drenagens tributárias sobre quartzitos. O desbalanco entre essas taxas indica que o sistema de drenagem do rio da Prata não está em equilíbrio dinâmico, e sim em período de ajuste transitório a alguma pertubação climática e/ ou tectônica recente (Ahnert, 1987). As taxas de erosão dos canais tributários sobre litologia mista (xisto-quartzito-filito-itabirito) foram mais elevadas que as dos canais sobre quartzitos e menores que a dos canais sobre xistos, porém não mostraram diferenças estatísticas significativas em relação a nehuma delas. As amostras ao longo do canal tronco coletor refletiram somente as taxas de erosão das drenagens tributárias sobre quartzitos (margem W), devido à distribuição não-uniforme do quartzo na bacia de drenagem do rio da Prata, assunto que será abordado em outro trabalho. Nas bacias de drenagens tributárias sobre xistos e sobre litologia mista as taxas de erosão ao longo dos canais mostraram uma disparidade (fator ≈ 5.5 e ≈ 4, respectivamente) em relação as taxas de erosão dos topos de elevação, confirmando que essas drenagens encontram-se em ajuste transitório. Esse estado de ajuste transitório evidencia um desacoplamento do sistema encosta-canal por incisão fluvial de origem climática ou tectônica. Esse desacoplamento produziu segmentos de encosta retilíneos e de elevada declividade na parte inferior das encostas dessa litologia. Por outro lado, nas drenagens tributárias sobre quartzitos as taxas de erosão dos canais e da rocha no topo de elevação não diferiram entre si, indicando que nessa litologia o sistema encosta-canal encontra-se em ajuste, isto é em equilíbrio dinâmico. O diagrama 26Al/10Be - 10Be mostrou baixos valores da razão 26Al/ 10Be para os canais tributários sobre xistos (P13 e P14) e para duas amostras de canais tributários sobre litologia mista (P06 e P08). Esses dados confirmam que esses canais tiveram uma história de exposição complexa, associada ao menos a um episódio expressivo de soterramento ou de erosão linear acelerada, nesse último caso, corroborando o trabalho de Bacellar et al. (2005). A evidência de história de exposição complexa reafirma o estado de ajuste transitório a um ou mais episódios de incisão fluvial apontados anteriormente. As amostras das drenagens tributárias sobre quartzitos foram plotadas sobre a linha de erosão no equilíbrio dinâmico (P07) ou acima da linha de não-erosão (P05 e P12). O posicionamento acima da linha de não-erosão, isto é, no campo proibido, mostrou que houve um erro analítico na mensuração de 27Al nelas, por possuírem baixo teor desse elemento. Isto sugere que as amostras P05 e P12, juntamente com a P07, tiveram uma história de exposição simples e sob erosão contínua, que é compatível com uma evolução no equilíbrio dinâmico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
As taxas de erosão das drenagens tributárias sobre quartzitos (Fm. Casa Forte) e xistos (Gr. Nova Lima) mostraram diferenças estatísticas significativas entre si, implicando que o sistema de drenagem do rio da Prata encontra-se em fase de ajuste transitório; O estado de ajuste transitório foi reforçado pela disparidade entre as taxas de erosão dos interflúvios e da taxa média de erosão dos canais tributários sobre xistos e sobre litologia mista; Porém, as drenagens sobre quartzitos as taxas de erosão do interflúvio e dos canais indiferiram entre si, e, logo, encontrando-se em equilíbrio dinâmico; O diagrama isotópico 26Al/ 10Be – 10Be evidenciou que os canais tributários sobre quartzitos tiveram uma história de exposição simples, com taxas de erosão de graduais e constantes no tempo. Em contrapartida, as drenagens tributárias sobre xisto e litologia mista mostraram uma história de exposição complexa, associada a um ou mais episódios de soterramento ou de erosão linear acelerada.

AGRADECIMENTOS
- ao pesquisador Marc W. McCaffe do Primelab da Purdue University pelas mensurações de 10Be e 26Al; - ao CNPq pela concessão de bolsa sandwich na Universidade da Califórnia, Berkeley; - aos pesquisadores William E. Dietrich e Kuni Nishiizumi pela supervisão do estágio no Earth and Planetary Science Department e no Space Science Laboratory, ambos da Universidade da Califórnia, Berkeley; - ao CNPq e à FAPEMIG pelo financiamento dos trabalhos de campo no Quadrilátero Ferrífero.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
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