Anais: Geocronologia e evolução da paisagem

EVOLUÇÃO DE PALEOVALE DE SEGUNDA ORDEM HIERARQUICA NO PLANALTO DAS ARAUCÁRIAS - SUPERFÍCIE II - NOS 41 Ka AP (SUL DO BRASIL)

AUTORES
Paisani, J.C. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ) ; Calegari, M.R. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ) ; Pontelli, M.E. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ)

RESUMO
Unidades estratigráficas datadas pelo 14C revelam que no final do EIM 3 ao EIM 2, os canais de 2ª ordem e as encosta estiveram em equilíbrio dinâmico. Na passagem EIM 2/EIM 1 houve intensa degradação das encostas e agradação dos fundos de vale de 2ª ordem. Coincidindo com esta fase houve a migração do divisor de águas regional para o Norte. Os fatores responsáveis pela evolução dos paleovales de 2ª ordem na área são de cunho paleoclimático e neotectônico.

PALAVRAS CHAVES
Quaternário; coluvio; inversão de relevo

ABSTRACT
Stratigraphic units datings by 14C datings reveal that in the end MIS 3 to MIS 2 the 2nd order channel and the slopes were dynamic equilibrium. In the passage MIS 2/MIS 1 was intense degradation of the slopes and aggradation of the 2nd order valleys. Coinciding with this phase there was migration of the regional watershed to the north. The factors responsible for the evolution of 2nd order valleys in the area are neotectonic and palaeoclimate.

KEYWORDS
Quaternary; colluvium; relief inversion

INTRODUÇÃO
O Planalto das Araucárias é uma unidade geomorfológica contida na província morfoestrutural Planalto Basáltico da Bacia do Paraná (Almeida, 1956), que se distribui pelo interior da região Sul do país. O Planalto das Araucárias foi descrito em escala regional (Monteiro, 1963; Hermann & Rosa, 1990), porém carece de estudos a respeito da sua evolução geomorfológica. Nosso grupo de pesquisa vem se interessando em compreender a evolução do relevo nessa unidade geomórfica, sobretudo no PR e SC, e já produziu resultados a respeito: da estrutura geológica (Paisani et al., 2005; 2008 a,b; Pontelli & Paisani, 2008; Guerra & Paisani, 2010); da identificação de superfícies geomórficas (Paisani et al., c); da evolução de encostas (Paisani & Geremia, 2010); do grau de intemperismo/pedogênese de níveis pedoestratigráficos (Pontelli et al., 2011 a,b; Rodrigues, 2011); de paleoperfis de intemperismo (Paisani & Pontelli, 2010; Paisani et al., submetido a); e da identificação e caracterização de depósitos quaternários (Paisani et al., 2008c; Guerra & Paisani, 2011). Embora a dissecação regional seja um limitante na compreensão da evolução do relevo, especialmente por remover os registros das formações superficiais, constata-se que as áreas de topo se ordenam em escadaria de leste para oeste. Nessas superfícies predominam perfis de intemperismo com diferentes espessuras de Nitossolos e de Latossolos. A exceção é a Superfície II, Planalto de Palmas (PR) / Água Doce (SC), cujas formações superficiais guardam registros sedimentares e pedológicos quaternários, sobretudo em paleovales de 2ª ordem. Diante disso, nos últimos 4 anos estabeleceu-se um programa de descrição de seções estratigráficas nessa área, cujos resultados são suficientes para se compreender o quadro evolutivo de paleovales de 2ª ordem situados no atual divisor de águas regional. Tais resultados serão sumariados neste artigo.

MATERIAL E MÉTODOS
A Superfície II, Planalto de Palmas/Água Doce, é mantida por derrames vulcânicos ácidos correspondentes ao Membro Palmas (Nardy et al. 2008). Neste local foram identificados dois derrames sobrepostos, um constituído de riolitos e outro de litologia não identificável em face de sua completa intemperização (Paisani et al., submetido a). Esses dois derrames nem sempre apresentam relação direta com as colinas, ombreiras e fundos de vales, recorrentes na área. As colinas superiores a 1.300m correspondem a relevos residuais designados de Superfície I por Paisnai et al. (2008c). A abordagem metodológica consistiu em caracterização de unidades litológicas reconhecendo-se descontinuidades estratigráficas. Em campo procedeu-se a individualização das unidades por meio da cor, seleção relativa conforme o tamanho dos clastos, constituintes da fração grossa, transição e geometria, conforme Paisani & Geremia (2010). Em laboratório determinou-se a textura da matriz dos sedimentos utilizando-se peneiramento para fração grossa e pipetagem para fração fina, com separação via úmida entre ambas (Suguio, 1973). As descrições foram sintetizadas e classificadas em litofácies. Como a literatura não traz modelos e códigos para fácies de depósitos coluviais de forma padronizada, adaptando-se a nomenclatura de Ghibaudo (1992). As unidades coluviais que exibem pedogênese receberam descrição morfológica de solos. A cronologia do registro estratigráfico foi estabelecida para os níveis pedogenizados e pedorrelíquias de horizonte A encontradas nos sedimentos. Foram submetidas 4 amostras para datação pelo 14C, técnica AMS (accelerator mass spectrometry), sendo 3 datadas pelo Lab. Beta Analytic Inc. (Miami-EUA) e 1 datada pelo Center for Applied Isotope Studies - CAIS (Georgia University-EUA).

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A seção estratigráfica HS1 registra paleovale colmatado de 2a ordem hierárquica do rio Chopinzinho no divisor de águas com o sistema hidrográfico do rio Chapecózinho. A seção apresenta 7 unidades estratigráficas, respectivamente: aluvial (unidade I e II), colúvio-aluvial (unidade II), coluvial (unidades IV, V e VI) e tecnogênica (unidade VII), sendo as unidades II e VI pedogenizadas com desenvolvimento de horizonte húmico (Figura 1). A seção se encontra em discordância erosiva com saprolito do riolito, marcada pela incisão fluvial de canal de drenagem. A unidade I, aluvial conglomerática, documenta um regime de canal fluvial com alta energia, cuja idade não pode ser determinada por LOE face a baixa qualidade do sinal da dose irradiada pelos grãos. A unidade II, colúvio-aluvial, demonstra uma mudança de condições hidrodinâmicas do canal para um regime de baixa energia, quando então os fluxos passam a ser hipodérmicos em ambiente de brejo. Essas condições foram importantes para o estabelecimento da pedogênese e a formação do Neossolo flúvio. Conforme idades fornecidas pelo 14C, esse solo se desenvolveu entre 41.000 e 29.000 anos AP, porém essas condições hidrodinâmicas dos canais de 2ª ordem foram regionais e há registros de paleossolos similares no Planalto de Palmas/Água Doce com acúmulo de matéria orgânica de até 24.000 anos AP. Uma nova incisão fluvial gerando um canal de menores dimensões é documentada pela unidade III, aluvial conglomerática. A mesma truncou parcialmente o Neossolo flúvico estabelecido sobre a unidade II. Pela geometria das unidades, percebe-se que o topo desse solo também foi truncado durante essa fase pelo escoamento superficial gerado no ambiente de encosta. Até este momento o ambiente fluvial de 2ª ordem se encontrava ativo. A unidade IV, coluvial, foi gerada por movimento de massa nas encostas e colmatou o fundo de vale. Em sua base registra-se pedorrelíquias de horizonte húmico de solo desenvolvido no ambiente de encosta. Tais pedorrelíquias foram submetidas a datação pelo 14C e têm 11.000 anos AP. Isso sugere que o canal de drenagem de 2ª ordem esteve ativo junto ao divisor com o rio Chapecózinho entre > 41.000 e 11.000 anos AP. Desde então, foi colmatado e isolado do sistema de drenagem do Rio Chopinzinho. A partir de 11.000 anos os processos de encosta predominaram no vale. As unidades coluviais V e VI são os últimos registros desses processos no local. A cerca de 800 anos AP, conforme datação pelo 14C, desenvolveu-se Neossolo regolítico com horizonte A húmico sobre a unidade VI. Neste momento a drenagem do sistema hidrográfico do rio Chapecózinho reafeiçou a topografia local, promovendo uma inversão de relevo, deixando o vale em situação de encosta. Com a abertura da BR-280, parte do material tecnógeno retirado foi depositado sobre a unidade VI. Diante do exposto entende-se a evolução dos paleovales de 2ª ordem hierárquica da seguinte forma: 1) durante o final do Pleistoceno Superior, sobretudo entre Último Interestádio (EIM 3) e o Último Máximo Glacial (EIM2), os sistemas fluviais de 2ª ordem hierárquica e os ambientes de encosta se encontravam em equilíbrio dinâmico, registrando apenas um pulso de morfogênese; 2) nesse período os fundos de vales passaram por uma fase de agradação e pedogênese, formando Neossolo flúvico com horizonte superficial húmico em fase com paleossolos similares de outras localidades, atestando uma fase de estabilidade morfogenética de cunho regional; 3) na passagem para o Holocêno (EIM 1) ocorreu intensa morfogênese (degradação) das encostas e colmatação (agradação) dos fundos de vale de 2ª ordem hierárquica que perdurou até cerca de 1.000 anos AP; e 4) coincidindo com esta fase processou-se a migração do divisor de águas regional para o Norte, com conseqüente desmantelamento das bacias de 1ª ordem do sistema hidrográfico do rio Chapecózinho (PR), rehieraquização da rede de drenagem e inversão de relevo.

Figura 1 – Reprodução da seção estratigráfica HS1 (adaptado de Paisani

(A) Topográfia/geologia. (B) Seção estratigráfica.

Figura 2 - Esquema de modelo evolutivo dos paleovales de 2ª ordem hier

1: riolito. 2: derrame intemperizado. 3: solo + saprolito. 4: conglomerado. 5: horizonte superficial húmico. 6: litossoma coluvial. 7: vegetação de campo, similar a atual.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A seção HS1 revelou unidades aluvial, colúvio-aluvial, coluvial e tecnogênica, caracterizadas como cascalho lamoso, lama cascalhenta e lama. Registram-se Neossolos com horizontes húmicos sobrepostas às unidades litológicas. Tal registro estratigráfico permitiu apresentar a evolução de paleovales de 2ª ordem hierárquica em situação de divisor de águas regional na Superfície II, Planalto de Palmas/Água Doce, nos 41.000 anos AP. Percebe-se uma evolução em que coincidem eventos morfogenéticos de ordem paleoclimatica e tectônica atuando na evolução dos paleovales. Igualmente, constata-se que o período de morfogênese mais importante na área não esta em fase com as clássicas idéias de que os períodos glaciais seriam os responsáveis pela maior erosão nas encostas e sedimentação nos fundos de vales, enquanto que os períodos interglaciais seriam responsáveis pela pedogênese, fato também constatado por Oliveira et al. (2006) para o Planalto Norte de Santa Catarina.

AGRADECIMENTOS
Ao CNPq (Proc.472267/2009-4), à Fundação Araucária /SETI/Gov.Paraná (Convênio n. 407/2009) e ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Geografia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná pelo apoio financeiro.

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