Anais: Geocronologia e evolução da paisagem

Geocronologia de baixos terraços fluviais do Rio Mogi Guaçu/SP

AUTORES
Storani, D.L. (DGEO/IG/UNICAMP) ; Perez Filho, A. (DGEO/IG/UNICAMP)

RESUMO
Este trabalho apresenta a revisão de estudo realizado por Perez Filho et al.(1980) em terraços fluviais do Rio Mogi Guaçu, em área da Fazenda Campininha, no município paulista de Mogi Guaçu. Realizou-se datação absoluta através do método Luminescência Opticamente Estimulada (LOE) dos solos de níveis de terraços analisados pelos autores. Os resultados confirmaram a ideia de evolução pedológica anteriormente proposta. É possível inferir oscilações climáticas secas que deram origem aos terraços.

PALAVRAS CHAVES
Geomorfologia; datação; solos

ABSTRACT
This paper presents a review of the study by Perez Filho et al. (1980) on fluvial terraces of Mogi Guaçu river in Fazenda Campininha area. Absolute dating was performed using the method Optically Stimulated Luminescence (OSL) of soil samples from levels of terraces analyzed by the authors. The results confirmed the idea of pedological evolution previously proposed. It is possible to deduce dry climatic oscillations that originated the terraces.

KEYWORDS
Geomorphology; dating; soils

INTRODUÇÃO
Os métodos existentes na atualidade para análises e datação de solos e formações superficiais permitem atribuir a períodos específicos da evolução da paisagem a origem de determinadas condições conhecidas ou modeladas. A interpretação geomorfológica das paisagens é essencial para o entendimento da seqüência de acontecimentos que atribuíram a elas suas características. Assim, o uso de técnicas, que se aprimoram a cada dia, confirma ou não idéias sobre a evolução das mesmas. De acordo com Penteado (1980), o relevo atual é marcado pelas influências dos paleoclimas devido às importantes modificações climáticas que o globo sofreu “recentemente”. Bigarella et al. (1994) citam que a paisagem atual sofre influências não só das grandes mudanças climáticas, mas também das pequenas flutuações do clima. O período correspondente ao Quaternário pode ser caracterizado por significativa instabilidade climática. Penteado (1980), entre muitos outros autores, mostra que, nos últimos 20.000 anos, os climas da Terra sofreram profundas modificações. Sabe-se que as latitudes médias sofreram fenômenos periglaciais; as regiões áridas tiveram períodos chuvosos; zonas semi-áridas surgiram nas margens das zonas inter-tropicais; e na zona Equatorial variaram períodos pluviais e secos. Ao fim do Terciário, quase nenhuma região do planeta conheceu períodos de condições estáveis e evoluiu sob ação de um único sistema morfoclimático. É mais comum, portanto, encontrar hoje paisagens que evoluíram de uma forma poligênica, do ponto de vista morfoclimático, tendo traços de sistemas morfogenéticos diferentes e sucessivos.

MATERIAL E MÉTODOS
Foram escolhidos pontos de amostragem relacionados aos níveis de terraços e pedimento identificados por Perez Filho et al. (1980). O perfil A-B-C analisado por esses autores compreende um nível de encosta (ou pedimento) entre 574 e 577 metros de altitude, e dois níveis de terraço (que estão,respectivamente, 5 e 4 metros acima do leito atual do rio), além do aluvião. Foram coletadas amostras de solos nos níveis I e II de terraços, e também no pedimento identificado pelos autores. A coleta de amostra se dá com o tubo de PVC limpo e de cor escura (para evitar entrada de luz solar). O tubo de PVC, com aproximadamente 60 centímetros de comprimento e seis centímetros de diâmetro foi enterrado horizontalmente a uma profundidade de 60 cm no solo, utilizando-se de um martelo de borracha para bater na ponta exposta e para que ele fosse completamente enterrado. Depois de o tubo estar completamente preenchido, a ponta exposta é fechada com a tampa (cap de PVC) de forma que não haja mais exposição à luz. O tubo é cuidadosamente retirado do solo, envolvido em saco plástico preto, e a ponta retirada também é fechada com outra tampa. Lacraram-se as pontas com fita plástica adesiva, e o tubo recebe o nome do ponto de coleta, indicando-se também a direção de inserção do tubo no solo, seguindo recomendações do laboratório de análise. As amostras de solo foram submetidas à datação por LOE (Luminescência Opticamente Estimulada) no Laboratório de Vidros e Datação da Faculdade de Tecnologia de São Paulo (FATEC). Os resultados da datação absoluta permitiu, então, retomar a discussão iniciada por Perez Filho et al. (1980) a respeito da evolução geomorfológica da vertente em questão.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
As datações absolutas por meio de LOE realizadas nas amostras dos pontos escolhidos no perfil A-B-C de Perez Filho et al. (1980) apresentaram como resultados: solo com aproximadamente 3.650 anos na área de pedimento; solo com aproximadamente 1.900 anos no terraço fluvial de nível I; solo com aproximadante 1.150 anos no terraço fluvial de nível II (Figura 1). De acordo com Christofoletti (1974), terraços fluviais representam antigas planícies de inundação que foram abandonadas e, morfologicamente, surgem como patamares aplainados, de largura variada, limitados por uma escarpa em direção ao curso d’água. No caso de terraços compostos por materiais relacionados à antiga planície de inundação, são designados terraços aluviais. De acordo com o autor, esses terraços situam-se a determinada altura acima do curso do rio atual, que não tem mais capacidade para recobri-los em épocas de cheia. No perfil analisado por Perez Filho et al. (1980), os níveis I e II de terraço estão, respectivamente, 5 e 4 metros acima do leito do rio. O abandono das planícies de inundação (preenchimento deposicional em vale previamente entalhado) pode ser explicado por oscilação climática, que provoca diminuição no débito com consequente formação de nova planície de inundação, em nível mais baixo, embutida na anterior. É possível também que grande parte da planície de inundação anterior, ou sua totalidade, possa ser removida antes ou durante a formação de nova planície, principalmente quando se trata de vales estreitos, sem potencial para desenvolvimento lateral. Há ainda a possibilidade de formação de terraço encaixado, ou planície de inundação em nível mais baixo acompanhada de nova fase erosiva sobre o embasamento rochoso do fundo do vale, como resultado de movimentos tectônicos, abaixamento do nível de base ou modificações no potencial hidráulico do rio. Assim, levando-se em consideração os resultados das datações nos dois níveis de terraço, é possível pressupor a existência de uma relação entre as idades atribuídas a eles e as oscilações climáticas. Com base no levantamento da literatura feito, a incisão ou entalhe dos canais verifica-se em períodos de condições climáticas mais úmidas, enquanto que a constituição do terraço corresponderia a períodos de clima mais seco. Assim sendo, a partir das datações absolutas obtidas, pode-se considerar o predomínio de um período seco há aproximadamente 1.900 anos, seguido de um período úmido, que causou a diferenciação dos níveis de terraço com entalhamento do canal fluvial, e possibilitou o desenvolvimento das características pedológicas dos solos, sendo este período seguido por outra fase seca, predominando há pelo menos 1.150 anos. Para a Bacia Hidrográfica do Mogi Guaçu, Perez Filho (1987) correlaciona os níveis de terraço entre 560 e 580 metros ao Pleistoceno Superior (T1 e T2). O resultado das datações absolutas realizadas, no entanto, nos permite levantar discussões quanto essa associação. Os solos datados entre 1.150 e 1.900 anos corresponderiam, na escala de tempo geológico, a um período muito recente. Apesar de Penteado (1969) generalizar um período quente e úmido para a história recente da região, é possível considerar a existência de aletrações climáticas, para duas fases mais secas, nos períodos correspondentes as idades dos solos dos níveis I e II de terraços. A análise do período recente, no entanto, não pode desconsiderar que atividades neotectônicas possam ter existido e que, alterando níveis de base locais, tenham causado alterações na dinâmica do rio. O resultado da associação desses fatores poderia resultar nas condições atuais do terraço analisado.

Figura 1

Perfil analisado por Perez Filho et al. (1980), com resultados de datação absoluta dos solos por LOE.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
As datações absolutas confirmam idéia dos autores Perez Filho et al. (1980) de que a cronologia dos solos seguem a seguinte ordem: o solo do terraço nível II seria mais novo do que o solo do terraço nível I, e este mais novo do que o solo encontrado no pedimento. Os resultados da datação absoluta realizada nos três níveis da vertente A-B-C permitem levantar alguns questionamentos. O primeiro diz respeito ao tempo suficiente para que o processo de pedogênese seja capaz de gerar diferenciação entre Cambissolo e Latossolo Câmbico. Seria aproximadamente 1000 anos o tempo de ocorrência dessa transformação? O segundo ponto a se discutir é a validade do método empregado para datação absoluta, o qual confirmou as análises que mostram diminuição da Capacidade de Troca Catiônica (CTC) em solos teoricamente mais antigos determinados pelo trabalho de Perez Filho et al., 1980. Por fim, as superfícies mais antigas apresentam estabilização do intemperismo e têm mais tempo de evolução.

AGRADECIMENTOS
À FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) pelo financiamento da pesquisa realizada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
BIGARELLA, J.J. et al., 1994. Estrutura e Origem das Paisagens Tropicais e Subtropicais – Vol. I. UFSC, Florianópolis, 243 pp.

CASSETI, V. Geomorfologia. [S.l.]: [2005]. Disponível em: <http://www.funape.org.br/geomorfologia/>. Acesso em: junho/2009.

CHRISTOFOLETTI, A., 1974. Geomorfologia. Edgard Blücher, São Paulo, 98 pp.

PENTEADO, M. M., 1969. A Bacia de Sedimentação de Rio Claro – São Paulo. Revista Geographica da Soc. Geog. de Lisboa, 17: 76-88.

PENTEADO, M. M., 1980. Fundamentos de Geomorfologia. IBGE, Rio de Janeiro, 185 pp. 3 ed.

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PEREZ FILHO, A., 1987. Relações solo-relevo na porção centro-oriental do Estado de São Paulo. Universidade de São Paulo. 183 pp. (Tese de Doutoramento).

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