Anais: Interações pedo-geomorfológicas

PRÉ-MAPEAMENTO PEDOAMBIENTAL DA ILHA SEYMOUR, MAR DE WEDDELL, ANTÁRTICA

AUTORES
Delpupo, K. (DPS/UFV) ; Daher, M. (DPS/UFV) ; Roque, M. (DGE/UFV) ; Magalhães, D. (DPS/UFV) ; Souza, J.J. (DPS/UFV) ; Schaefer, C. (DPS/UFV)

RESUMO
A ilha Seymour encontra-se na porção setentrional do Mar de Weddell e é formada por sedimentos marinhos do Cretáceo e Terciário. O objetivo foi realizar um pré-mapeamento pedoambiental da porção central da ilha. A definição dos pedoambientes na ilha deve-se à diferenciação do relevo que condiciona a natureza do permafrost e à constituição do material de origem. A fosfatização e a sulfurização são importantes fontes de acidez e de intemperismo químico para esse sistema alcalino.

PALAVRAS CHAVES
Pedogênese; Antártica; Mapeamento Pedoambiental

ABSTRACT
The Seymour Island is located in the Northern portion of the Weddell Sea and it is composed of Cretaceous and Tertiary marine sediments. We here present pedoenvironmental mapping of the central portion of the island. The definition of the pedological systems is connected to the difference of the relief, which conditions the permafrost nature and the constitution of the bedrock. Phosphatization and sulfurization are the main sources of acidity and chemistry weathering.

KEYWORDS
Pedogenesis; Antactica; Pedoenvironmental Mapping

INTRODUÇÃO
Os ambientes periglaciais constituem um dos mais importantes componentes da paisagem global, principalmente no que diz respeito a processos regulatórios de água, temperatura e carbono. Processos intempéricos relacionados à ação do gelo e presença de permafrost são características peculiares desses ambientes, que englobam regiões de elevada altitude e/ou latitude por todo planeta (FRENCH, 1987). Dentre os processos gerais de intemperismo e de formação de solo comuns às áreas livres de gelo da Antártica, observa-se que alguns desses processos tomam maior ou menor importância quando observados em detalhe para a formação de paisagens específicas. Para a área em estudo neste trabalho - Ilha Seymour - os principais processos que influenciam a gênese dos solos e, portanto, a definição dos pedoambientes são: sais solúveis em abundância aportados pelo intemperismo das rochas e spray marinho e conservados no sistema pela baixa lixiviação imposta pelo clima árido; a ocorrência de solos sulfatados associados aos sedimentos marinhos ricos em sulfeto expostos à oxidação da superfície pelo rebaixamento do permafrost; e a fosfatização responsável pela gênese de solos ornitogênicos a partir do incremento de material orgânico pelas aves marinhas (TATUR et al., 1993). O mapeamento pedoambiental resume informações comuns de grupos de solos derivados de associações entre relevo e material de origem, incluindo ou não a cobertura vegetal. O mapeamento pedoambiental de áreas livres de gelo da Antártica constitui importante banco de dados para desdobramentos diversos, como estudos científicos de várias áreas do conhecimento e ações de planejamento e gestão. Nesse sentido, o objetivo desse trabalho foi realizar um pré-mapeamento pedoambiental da porção central da Ilha Seymour, Mar de Weddell, Antártica. Além disso, buscou-se descrever as características ambientais envolvidas na distinção dos grupos de solos da ilha.

MATERIAL E MÉTODOS
A ilha Seymour encontra-se na porção setentrional do Mar de Weddell e é formada por sedimentos marinhos do Cretáceo e Terciário. O clima da ilha é subpolar, semiárido, com temperaturas médias anuais que oscilam entre -5°C e -10°C (REYNOLDS, 1981). Como em outros ambientes periglaciais, está sujeita a processos ligados ao congelamento e descongelamento (NOZAL et al., 2007). Sua superfície é quase completamente desprovida de vegetação. Há pouquíssima acumulação de matéria orgânica nos solos em processo atual de formação. O mapeamento pedoambiental é o produto final da interpretação de várias informações do levantamento exploratório de campo, bem como do trabalho em ambiente SIG. No campo, foram coletadas amostras representativas de solo (21 perfis) da área de estudo, as quais foram caracterizadas física, química e mineralogicamente nos laboratórios do Departamento de Solos da Universidade Federal de Viçosa e classificadas de acordo com a Soil Taxonomy. Munidos de tais informações, iniciou-se o trabalho em ambiente SIG. O primeiro procedimento foi a obtenção de uma imagem de alta resolução da ilha. Posteriormente, para a confecção do Modelo Digital de Elevação, foram digitalizadas as curvas de nível da área (5 metros), a partir de um mapeamento geológico. As características do solo possibilitaram a definição de três grupos de solo (solos alcalinos, solos sulfatados e solos ornitogênicos). Como o MDE, a imagem de satélite, as informações de campo e análises de solo foi possível delimitar as áreas no terreno cobertas por cada grupo de solo. Os pontos de coleta foram georreferenciados com auxílio de GPS Garmin Approach G3, o que foi de grande ajuda para a delimitação dos limites de ocorrência de cada grupo de solo. Além dos arquivos da imagem, curvas de nível e pontos de coleta, foram ainda utilizados o arquivo do limite da ilha. Todos os arquivos acima já estavam no mesmo sistema de coordenadas e georreferenciados.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os solos da Ilha Seymour são bastante distintos daqueles encontrados na Antártica Marítima em termos das suas características morfológicas, físicas, químicas, mineralógicas e processos pedogenéticos atuantes (CAMPBELL & CLARIDGE, 1987; BOCKHEIM, 1997; TATUR, et al., 1998; MICHEL te al., 2006; SIMAS et al., 2008; SOUZA et al., 2011; FRANCELINO et al., 2011). No entanto, de forma semelhante aos solos de regiões mais úmidas da Antártica, observou-se que a definição dos diferentes pedoambientes na ilha está intimamente condicionada a influência do material de origem, sua natureza e constituição. Dos vinte e um perfis coletados, dezenove possuem permafrost dentro dos 100 cm, sendo classificados, portanto, como Gelisols (SSS, 2010) e Cryosols (IUSS, 2006). A partir das características morfológicas, físicas, químicas e mineralógicas, observou-se a definição de três diferentes grupos de solos. Solos alcalinos pouco evoluídos sobre arenitos e siltitos; solos sulfatados e solos ornitogênicos. Os solos alcalinos pouco evoluídos sobre arenitos e siltitos constituem o maior grupo de solos as ilha. Tais solos não expressam características marcantes de modificação do substrato sobre o qual se desenvolvem, sendo, portanto, considerados pouco evoluídos pedogeneticamente. Constituem solos desde arenosos até esqueléticos. São profundos (comumente maior que 100 cm), como pouca diferenciação entre os horizontes, com estrutura composta, geralmente geogênica e não apresentam feições de crioturbação. Revelam assim, características compatíveis de outras regiões frias e secas na Antártica, típicas de deserto polar (BOCKHEIM, 1997). Possuem elevados teores de bases trocáveis e pH elevado, geralmente acima de 7,50. Essa alcalinidade é resultado da acumulação de sais e neutralização de possíveis fontes de acidez (sulfatos) no perfil. Possuem argilas de atividade alta, são eutróficos e possuem significativos valores de CE e ISNa. São compostos principalmente por quartzo, argilominerais 2:1 (cloritas, montmorillonita) e traços de natrojarosita. Os solos sulfatados constituem os solos com maior expressão de intemperismo da ilha. Os baixos valores de pH, a formação de minerais como jarosita e natrojarosita, cromas mais alaranjados e o maior conteúdo de argila são alguns dos indícios da influência desse processo para a evolução dos sistemas pedogenéticos desenvolvidos a partir de sedimentos ricos em sulfetos marinhos na ilha. De forma geral, os solo desenvolvidos sob influência de pinguins, possuem elevados teores de P (acima de 2000 mg.dm3), principalmente em superfície, elevados teores de bases trocáveis, elevadas CE, exibindo o caráter natric e salic. Apesar de serem todos eutróficos, apresentam os valores mais baixos de saturação por base dentre os solos da ilha. São solos com elevada acidez potencial (H+ Al), proveniente da matéria orgânica em superfície, indicado pelos maiores teores de COT dentre os solos estudados na ilha. O clima seco da ilha não favoreceu a evolução da fosfatização e consolidação de ecossistemas ornitogênicos tal como são encontrados nas áreas livres de gelo da Antártica Marítima. A interação do guano aportado pelas aves é limitada a superfície pelo impedimento da lixiviação imposta pelo clima. Além disso, a ocorrência de solos alcalinos, com baixos ou nulos teores de Al3+ e a predominância de minerais silicatados do tipo 2:1 em detrimento de fosfatos estáveis indicam a pouca modificação do guano aportado pelas aves. Apenas um perfil apresentou algum indício de maior grau de fosfatização, sendo considerado, portanto, área de nidificação antiga. O clima árido e a deposição relativamente recente do guano resultaram em zonas fosfatizadas superficiais alcalinas com transição abrupta para horizonte ácido. A presença de minyulita, sua maior acidez em superfície com elevados teores de P e sua posição mais elevada na paisagem indicam que este é o solo ornitogênico mais evoluído.

Figura 1

Fotos de perfis representativos de cada grupo de solos.

Figura 2

Mapa pedoambiental da porção central da Ilha Seymour, Antártica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A definição dos diferentes pedoambientes na ilha está intimamente ligada à diferenciação do relevo sendo este, determinante para a presença de permafrost seco ou cimentado por gelo. Outro fator determinante é a constituição do material de origem, com menor ou maior conteúdo de sulfetos, carbonatos e outros minerais. Diversos traços da paisagem sugerem uma condição paleoambiental mais úmida. Tanto a fosfatização, quanto a sulfurização são importantes fontes de acidez para esse sistema generalizadamente alcalino. O clima seco da ilha não favoreceu a evolução da fosfatização e consolidação de ecossistemas ornitogênicos tal como são encontrados nas áreas livres de gelo da Antártica Marítima. Os sistemas Soil Taxonomy e WRB/FAO não possuem critérios de classificação adequados para classificar todos os solos desenvolvidos em áreas de transição climática que sejam afetados por sais, fosfatização e sulfidização.

AGRADECIMENTOS
Ao CNPq e CAPES por financiar essa pesquisa e à Marinha do Brasil, Força Aérea Brasileira e Exército Argentino pelo apoio logístico e operacional.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
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