Anais: Interações pedo-geomorfológicas

COLÚVIOS PEDOGENEIZADOS EM COMPARTIMENTOS SERRANOS DE MOCOCA (SP)

AUTORES
Espindola, C.R. (UNICAMP)

RESUMO
A intensidade do coluvionamento num ambiente tropical úmido é de difícil quantificação, pois a pedogênese tende a mascarar essa evidência. Em Mococa, SP, formações superficiais em glacis serranos a jusante de cuestas arenito-basálticas exibem materiais de texturas arenosas e médias sobrepostas a horizontes de diabásios alterados. Descrições morfológicas, análises granulométricas e químicas indicam que esses colúvios são atribuídos a deposições neocenozóicas recentes.

PALAVRAS CHAVES
colúvios; evolução pedogeomorfológi; neocenozóico

ABSTRACT
Identification of colluvional deposits on humid tropical environments are often a difficult task, once the fast soil evolution tend to mask those layers. On the municipality of Mococa, Brazil, surface weathering mantles located at summits exhibit soil horizons derived from basic rocks (diabase) overlayed by loamy and sandy sediments. Morphological and laboratory analysis show that the upper parts of the pedons are neocenozoic deposits originated from nearby sandstone/basaltic “cuestas”.

KEYWORDS
colluvional deposits; pedogeomorphology; neocenozoical deposits

INTRODUÇÃO
A adição de sedimentos sobre alterações de rochas, por vezes já pedogeneizadas, é de difícil apreciação, pela falta de claras evidências do processo. A mistura promovida sujeita-se aos mecanismos pedogênicos vigentes, que tendem a homogeneizar o conjunto. Argissolos e Luvissolos revelam horizontes A e E arenosos maciços sobrepostos a um Bt de textura mais fina, poliédrica, criando um elevado gradiente textural por argiluviação (Bartelli, 1973) Isso imprime uma lenta percolação da água, movimentos laterais dos fluxos e escoamentos superficiais, criando uma relação Infiltração/Deflúvio – I/D (Belcher, 1945) reduzida. Colúvios arenosos são de difícil apreciação, pelas misturas com o horizonte genético arenoso (Penteado & Ranzani, 1973) nos solos então denominados Podzolizados Marília. Coberturas latossólicas revelam pedons mais homogêneos, com intensa ação biológica, o que favorece a drenagem vertical; o conjunto assume uma verdadeira haploidização isotrópica (Hole, 1961) que tende também a mascarar os coluvionamentos. Nos solos da Açucareira Santo Alexandre, em Mococa, SP (Espindola & Silva, 1982), certos compartimentos serranos ao norte revelam depósitos espessos de texturas média e arenosa sobrepostos a horizontes pedológicos avermelhados de textura mais fina, de alterações diabásicas. Os contatos entre os materiais transportados e os gerados in situ são de clara identificação visual pela cor, textura e fragmentos de basaltos das partes altas do relevo. Essa situação singular suscitou caracterizar perfis verticais, por fugirem muito das tradicionais unidades de mapeamento pedológicas, bem como de tipos de terrenos, por terem sido já pedogeneizadas. Na presente investigação procurou-se diferenciar as duas condições mais evidentes em campo – granulometrias grosseiras das camadas dispostas acima das alterações diabásicas.

MATERIAL E MÉTODOS
A área de estudo está situada em porções serranas de Mococa, SP, nas suas divisas com Cássia dos Coqueiros e Cajuru, na porção rebaixada dos contatos com a cuesta arenito-basáltica, numa conformação de glacis, cujos recortes festonados de desmantelamentos das estruturas verticalizadas recebem denominações locais de Serras: Cubatão, Quebra-Cuia e Furnas, em altitudes que giram em torno de 920 a 940 metros. As Fazendas Santa Maria e São José aí se situam, com seus terrenos agricultados constituídos por materiais de textura média e arenosa sobrepondo sills de diabásios alterados das intrusões mesozóicas que nestes setores se superpõem às rochas sedimentares paleozóicas do Grupo Tubarão e da Formação Corumbataí, já na condição de materiais pedogeneizados (Espindola & Silva, 1982). Caracterizações morfopedológicas, granulométricas e químicas de rotina foram efetuadas em trincheiras abertas nessas áreas, em locais em que tradagens evidenciavam camadas de texturas média (Perfis 1 e 2) e arenosa (Perfis 3 e 4) sobrepostos a horizontes de texturas mais finas e de cores avermelhadas mais escuras. Aos elementos descritivos de campo (espessura, cor e organização estrutural), foram reunidos dados granulométricos (areia, silte e argila) e saturação por bases.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A síntese das observações de campo mostra os seguintes aspectos gerais: - Perfil 1 (Fazenda Santa Maria, relevo fortemente ondulado) - Bruno-avermelhado (5 YR) até 1,05 m; de 0,20 a 0,55 m a estrutura granular superficial passa a composta blocos+granular por efeito de manejo; até 1.05 m é maciça que se rompe em granular e grão simples. Abaixo, até 1,70 m, encontra-se um horizonte de alteração diabásica, com a cor passando a vermelho escuro (10 R) e a estrutura a forte em blocos revestidos por cerosidade. - Perfil 2 (Fazenda São José, relevo ondulado) - Bruno-avermelhado escuro (5 YR e 2,5 YR) até 0,95 m; a estrutura maciça que se rompe em granular, de 0 a 0,45 m, passa a composta blocos+granular na camada inferior, com cerosidade descontínua. No horizonte abaixo, gerado do diabásio alterado, a organização é latossólica, microagregada. - Perfil 3 (Fazenda Santa Maria, relevo ondulado) – camadas bruno-acinzentado escuro de 0 a 0,20 m e bruno escuro até 0,50 m, ambas 10 YR, arenosas, maciças e soltas, dispostas sobre um horizonte vermelho-acinzentado (2,5 YR) da alteração diabásica, em blocos fortes revestidos por abundante cerosidade até 0,75 m, juntamente com fragmentos da rocha alterada. - Perfil 4 (Fazenda São José, relevo ondulado) – Bruno-avermelhado escuro (5 YR) de 0-0,25 e até 0,55 m, em duas camadas arenosas maciças e soltas sobrepondo o horizonte vermelho escuro (2,5 YR) da alteração diabásica com estrutura em blocos grandes, fortes e com cerosidade menos intensa do que no perfil anterior, e com significativos fragmentos esparsos de rocha básica nas camadas arenosas superpostas. O Quadro 1 traz uma síntese das análises efetuadas, a partir de Espindola & Silva (1982). A notável quantidade de areia nas camadas acima dos horizontes de alteração diabásica é incompatível com uma evolução pedológica a partir de rochas dessa natureza em ambientes tropicais úmidos. Tais depósitos alterados constituem formações superficiais (Journaux & Dewolf, 1958), numa linguagem mais genérica, pois as camadas não apresentam filiações genéticas entre si. Apenas aquelas alteradas do diabásio constituem reais horizontes pedogenéticos. As situações topográficas que abrigam essas formações sujeitaram-nas a aportes de materiais arenosos do Grupo São Bento (arenito Botucatu), oriundos de erosões das cuestas a montante, dispondo-se sobre alterações das rochas diabásicas que cobriam as superfícies. Essas deposições constituem materiais coluviais, que na carta de solos da propriedade constam como Colúvios barrentos (de textura média) e Colúvios arenosos (textura grosseira). Suas deposições devem ter se dado no Holoceno recente, sem tempo suficiente para se inserirem na pedogênese em vigor. Os fragmentos esparsos de basaltos entremeados atestam essa recenticidade dos mecanismos erosivos. Os elevados valores de saturação por bases nos depósitos arenosos, usualmente de baixa capacidade de retenção de cátions básicos, atestam a atualidade dos mecanismos de mobilização. Deve ainda ocorrer uma atividade alimentadora desses colúvios com soluções das rochas básicas em alteração das cuestas a montante, somadas às soluções dos próprios diabásios do substrato. Essa recenticidade é mais clara do que a observada por Penteado (1974), ao mencionar que na atual fase úmida os processos morfoclimáticos não tiveram tempo senão para retocar as formas esculpidas em fases pretéritas mais longas. Atividades antrópicas recentes devem acelerarar a erosão geológica da linha de cuestas, quer pela agricultura intensiva, como por desmatamentos para ligações viárias de Mococa a municípios do reverso, como Cássia dos Coqueiros, Cajuru e outros.

Quadro 1: granulometria e saturação por bases dos perfis



CONSIDERAÇÕES FINAIS
As coberturas arenosas e de textura média de origem coluvial dos setores caracterizados em Mococa, SP, podem ser correlacionadas aos materiais neocenozóicos (Bjornberg & Landim, 1966), incorporados a perfis pedológicos em virtual discordância litológica. A um nível de pequeno detalhe cartográfico, talvez passassem por solos relativamente jovens ou com pouco ou semidesenvolvimento de perfil dos Grupos de Referência de Solos da FAO (2006), que comporta Regossolos, Cambissolos e Arenossolos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
BARTELLI, L. J. Soil development in loess in the Southern Mississipi valley. Soil Science, 115: 254-260, 1973.
BELCHER, D. J. The engineering significance of soil patterns. Photogrametry Enginnering, 11: 115-148, 1845.
BJORNBERG, A. J. S. & LANDIM, P. M. B. Contribuição ao estudo da Formação Rio Claro (Neocenozóico). Boletim da Sociedade Brasileira de Geologia, São Paulo, 15: 43-67, 1971.
ESPINDOLA, C. R. & SILVA, N. J. S. Solos da Cia Agrícola Santa Emília (Mococa, SP). Açucareira Santo Alexandre. Documento inédito, 1982. 89 p. (Mimeo).
FAO World Reference Base for Soil Resources – WRB 2006 – IUSS Working Group WRB. Rome, World Soil Resources Reports 103.
HOLE, F. D. A classification of pedoturbation on some other processes and factors in soil formation in relation to isotropism and anisotropism. Soil Science, 91: 375- 377, 1961.
JOURNAUX, A. & DEWOLF, Y. L’étude et cartographie des formations superficielles en Normandie. Caen, Études et Documents pour l’Enseignement Agricole du Premier Degré n. 4, 1958.
PENTEADO, M. M. Fundamentos de geomorfologia. Rio de Janeiro, IBGE, Biblioteca Brasileira Série D., Publ. n. 3, 1974. 163 p.
PENTEADO, M. M. & RANZANI, G. Problemas geomorfológicos relacionados com a gênese dos solos Podzolizados Marília. Sedimentologia e Pedologia n 6, São Paulo, Inst. Geografia/USP.