Anais: Geomorfologia costeira

EVOLUÇÃO GEOLÓGICA DO LITORAL DE MARICÁ (RIO DE JANEIRO) AO LONGO DO QUATERNÁRIO TARDIO

AUTORES
Silva, A.L.C. (UERJ FFP) ; Silva, M.A.M. (UFF) ; Gamboa, L.A.P. (UFF) ; Rodrigues, A.R. (CENPES-PETROBRAS) ; Alcântara, A.M. (UERJ FFP) ; Paludo, D.F. (UERJ FFP) ; Silvestre, C.P. (UFF)

RESUMO
A integração de dados obtidos com o ground penetrating radar (GPR) e sondagens realizadas na planície costeira de Maricá forneceu informações sobre a arquitetura sedimentar e evolução da geologia desta área. O pacote sedimentar, com espessura superior a 20 metros, é formado por seis unidades deposicionais, que compõem três seqüências costeiras, relacionadas a sistemas barreira-laguna. Fases de retrogradação e progradação apontam para flutuações relativas do nível do mar durante o Quaternário.

PALAVRAS CHAVES
Quaternário Costeiro; georradar (GPR); APA de Maricá

ABSTRACT
The integration of data obtained from the ground penetrating radar (GPR) images and boreholes from the Maricá coastal plain provided information about the sedimentary architecture and the geological evolution of this area. The sedimentary deposit, more than 20 meters thick, contains six depositional unities, forming three coastal sequences, related to barrier-lagoon systens. Evidences of retrogradation and progradation phases point out to relative sea level fluctuations during the Quaternary.

KEYWORDS
Coastal Quaternary; Ground Penetrating Radar ; APA Maricá

INTRODUÇÃO
A geomorfologia da planície costeira de Maricá é caracterizada pela presença da imponente laguna de Maricá e de duas barreiras arenosas separadas entre si por uma série de pequenas lagunas isoladas. A barreira arenosa interna foi formada no Pleistoceno, por volta de 40.000 anos A.P. (Silva et al., 2010; Silva, 2011); a barreira externa, junto ao mar, teve seu início de formação durante a última transgressão marinha ocorrida no Holoceno (Ireland, 1987; Turcq et al., 1999; Pereira et al., 2003; Silva et al., 2010; Silva, 2011). O embasamento Pré- Cambriano que limita a planície é formado por gnaisses, granitos e pegmatitos, formadores das serras (como a da Tiririca) à retaguarda da planície e de morros isolados dentro da mesma. Barreiras arenosas com sistemas lagunares a retaguarda constituem-se em elementos marcantes na paisagem do litoral do estado do Rio de Janeiro. Inúmeros trabalhos voltados para o entendimento dos processos relacionados à evolução desse ambiente foram realizados nas últimas décadas (Lamego, 1940; Lamego, 1945; Muehe, 1979; Muehe, 1984; Muehe & Corrêa, 1989; Perrin, 1984; Ireland, 1987; Turcq, et al., 1999; Pereira et al., 2003; Silva et al., 2008; Silva, 2011, entre outros). A área estudada está localizada a cerca de 20 km a Leste da entrada da Baía de Guanabara e possui uma extensão de aproximadamente 8 km. Este trecho do litoral de Maricá é uma área de proteção ambiental (APA) e se encontra relativamente preservado, apesar da extração ilegal de areia que destrói a vegetação e dunas, alterando a paisagem. É uma área, portanto, estratégica e de grande importância para o desenvolvimento de estudos costeiros. Este estudo objetivou contribuir para o conhecimento da arquitetura sedimentar e a compreensão da evolução geológica da planície costeira central de Maricá (RJ) ao longo do Quaternário. Para tal, a metodologia empregada foi a integração de dados de ground penetrating radar (GPR), sondagens e datações.

MATERIAL E MÉTODOS
Na área de estudo realizou-se levantamento topográfico, aquisição de perfis com o Ground Penetrating Radar (GPR) e sondagem geológica à percussão e com o trado mecânico. O levantamento topográfico objetivou a caracterização geomorfológica dos diversos subambientes que formam a planície costeira (praia, dunas, planície lagunar) e a integração com os dados de GPR (Ground Penetrating Radar). Para o levantamento de cerca de 8 quilômetros de topografia utilizou-se um nível acoplado a um tripé, mira e trena. Foram adquiridos 7 perfis de GPR, totalizando 7.350 metros, empregando-se um Georadar GSSI modelo SIR-2000 com uma antena de 200 MHz, que proporcionou o melhor arranjo entre resolução e profundidade de penetração de cerca de 25 metros. O processamento dos dados foi realizado no software RADAN (Radar Data Analysis) e inclui a aplicação de ganhos e filtros, deconvolução, correção da topografia e migração. A velocidade média empregada corresponde a 0,10 mns-1 e foi determinada a partir de uma linha CMP (common mid-point) realizada no litoral (Pereira, 2001). Foram perfurados 12 poços de sondagens à percussão e com o trado mecânico, alcançando a profundidade máxima de 27 metros, totalizando 262,3 metros de perfuração. A localização dos poços ao longo da área de estudo foi definida a partir da estratigrafia observada nos radargramas. As sondagens permitiram a identificação e caracterização das unidades litológicas e a correlação destas com os padrões de reflexão identificados nos radargramas. Um total de cinco amostras de sedimentos contendo conchas e matéria orgânica foram selecionadas entre o material adquirido com as sondagens e encaminhadas ao Center for Applied Isotope Studies (CAIS) da Universidade da Geórgia (EUA) para análises de datação do radiocarbono pelo método do Accelerator Mass Spectrometry (AMS 14C).

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A evolução geológica da planície costeira central de Maricá ao longo do Quaternário foi fortemente controlada por mudanças relativas do nível do mar. Tais mudanças foram as principais responsáveis pela deposição e erosão das unidades deposicionais, assim como, por controlar a formação e migração das barreiras, causando progradação e retrogradação das mesmas. Os dados apresentam claramente o contato entre o embasamento e a base do pacote sedimentar, aqui denominada superfície A. Uma camada de lama (unidade I) ocorre logo acima dessa superfície e representa a parte basal da seqüência sedimentar pleistocênica. A camada de lama está presente em toda a área de estudo e, foi provavelmente depositada durante uma importante transgressão marinha há cerca de 120.000 anos A.P., que inundou a área e formou uma grande laguna ou enseada. Posteriormente, esta camada de lama foi parcialmente erodida, durante um rebaixamento do nível do mar, e isto ocasionou a formação da superfície B. Uma camada arenosa (unidade II) representativa de uma barreira pleistocênica se estabelece após intensa fase de retrogradação, ocupando uma posição bem interna da área, sendo a primeira a se estabelecer na área em estudo. Em seguida, e com o nível do mar mais baixo, a barreira arenosa é parcialmente destruída, resultando na formação de uma superfície erosiva (superfície C), permanecendo um depósito remanescente da barreira anterior. Em torno de 45.000 anos (46.240±3.210, 43.300±1.280 e 40.280±2.580 anos A.P.), uma camada de lama arenosa (unidade III) deposita-se por sobre a unidade lamosa anterior (unidade I) e da camada arenosa (unidade II). A formação desta unidade III aponta para a existência de uma barreira arenosa localizada mais ao sul da mesma, formando com esta unidade lamosa um novo sistema barreira-laguna de idade pleistocênica. Em função da relação entre as unidades II e III, sugere-se que a lagoa de Maricá tenha sido formada anteriormente a 45.000 anos A.P., relacionando-se, portanto, a barreira representada pela unidade II. Uma nova elevação no nível do mar causou a retrogradação de uma barreira, a qual, novamente, alcança uma posição bem interior dentro do sistema costeiro em estudo. Essa segunda barreira pleistocênica (unidade IV) posicionou-se sobre a barreira remanescente mais antiga (unidade II), o que deu origem a barreira interna que hoje se vê na paisagem local. Numa fase posterior, uma sucessão de estratos progradantes marca uma nova fase de regressão do mar, o que força a progradação desta barreira mais para o sul, por volta de 40.880±1.420 anos A.P. Este pacote encontra-se localizado sobre a unidade III. A regressão marinha submete a barreira a um período de erosão, possibilitando a formação de uma superfície erosiva (superfície E). A formação dessa superfície pode ter ocorrido entre 35.000 e 9.000 anos A. P., e corresponde ao limite Pleistoceno/Holoceno dentro do pacote sedimentar. Uma nova fase deposicional permitiu a formação do sistema barreira-laguna e o início da Seqüência Costeira Holocênica. Uma barreira anterior a atual ocupava uma posição ao sul da área de estudo representada pelo arenito de praia presente hoje na região submarina de Itaipuaçú, cuja idade corresponde a 8.110±30 anos A.P. Esta barreira pode estar relacionada à formação por volta de 6.000 anos A.P. de uma paleolaguna na área (Pereira et al., 2003), cuja expressão em superfície corresponde às depressões colmatadas entre as duas barreiras. A transgressão marinha que continuou até por volta de 5.000 anos A.P. (Martin et al., 2003), promoveu a retrogradação da barreira e o assoreamento da laguna. Um rebaixamento do nível do mar até o estágio próximo do atual causou a progradação da barreira arenosa holocênica, visto nos radargramas como uma sucessão de paleoescarpas de tempestades. Em resposta a atual fase de subida do nível do mar, a mesma apresenta comportamento retrogradante (Lins-de-Barros, 2005; Silva, 2006; Silva et al, 2008).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados mostram um pacote sedimentar formado por seis unidades deposicionais, com espessura superior a 20 metros, relacionado a sistemas barreira-laguna. Várias fases de retrogradação e progradação ocasionam deposição ou erosão parcial dessas unidades e a formação de três seqüências deposicionais. Uma transgressão marinha no Pleistoceno provoca a retrogradação de uma barreira por sobre lamas lagunares da base do pacote sedimentar. Outra transgressão causou o assoreamento de uma paleolaguna por areias de uma barreira (40.000 anos A.P.). A regressão a seguir deslocou a barreira para o sul. Uma superfície erosiva formada entre 35.000 e 9.000 anos A.P. representa o limite Pleistoceno/Holoceno, o qual começa com o arenito de praia em Itaipuaçú (8.110 anos A.P.). Segue-se uma fase de retrogradação a qual, somente após o máximo transgressivo de 5.000 anos atrás, apresenta uma fase de progradação da barreira, que volta a ter comportamento retrogradante até os dias de hoje.

AGRADECIMENTOS
Agradecimento especial a FAPERJ pelo financiamento deste projeto (E-26/170 452/07), sem o qual a realização deste trabalho não seria possível. A CAPES pela concessão da bolsa de doutorado. Ao CENPES – PETROBRÁS pelo empréstimo do equipamento GPR. Agradecemos também aos responsáveis pela APA de Maricá por permitir o acesso à área de estudo. Somos muito gratos a todos os estudantes e amigos que ajudaram durante os trabalhos de campo.

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